Este conto inicia a "saga" de histórias de Natal que aqui serão contadas, sempre trazendo uma reflexão sobre a vida, o amor, as pessoas e as (conturbadas) relações entre elas, sobretudo nessa etapa do ano. Serão postados contos e poesias em forma de fragmentos, não só fragmentos de livros, de textos, mas fragmentos da vida, de observações sobre ela.
(Começa a história...)
Chegada era a temporada natalina. Lá por volta do dia 15 de dezembro e o menino carente continuava a perambular pelas ruas da SUA cidade. Ele nada tinha de patrimônio, mas o bom e justo coração, aliado à visão holística que recebera como dádivas, permitiam-lhe crer que tudo era (também) SEU.
Adorava analisar as pessoas, sobretudo numa época em que elas saem com maior frequência e interagem umas com as outras mais intensamente. Era um psicólogo sem ter sequer estudado a 1ª série do Ensino Fundamental. A genialidade, mais que racional, era sensitiva, emocional.
Cada um que se compadecia com a situação do menino carente oferecia-lhe refeição e vestimentas novas, alguns até brinquedos desejados por milhares de crianças. O menino carente, amável e humilde que era, aceitava o alimento, mas recusava vestes mais belas e brinquedos que, ao invés de lhe lhe fomentarem o sonho, castravam-lhe, porque simbolizavam uma realidade pronta e acabada - e, portanto, imutável.
O que o menino realmente queria era dialogar e DAR abraços em tantas pessoas quantas isso fosse possível. O diálogo representa a reciprocidade ética, uma relação intersubjetiva ente diferentes, mas iguais; e o abraço, ao passo em que é dado, é recebido, e designa a união de irmãos separados por edificações culturais e econômicas. Falar em união não é reduzir a "um", mas, transgredindo a linguagem, trazer a lume o "Entre-nós", e por que não dizer: criar um terceiro (e até um quarto) sujeito que é o "Eu-ético", decorrente da relação do Eu com o Outro.
Contudo, ninguém desejava ouvi-lo. Do mesmo modo não queriam lhe falar de si, afinal em que poderia um pirralho carente contribuir, se a si próprio não havia cuidado adequadamente?
Abraçar-lhe então... que absurdo! O menino era sujo e sujaria de seu insucesso aqueles que o abraçassem, por isso era preciso mantê-lo à distância suficiente para que as atitudes pseudocaritativas pudessem aparecer e enaltecer os seus autores.
E assim prossegui a sua vida: o menino aceitava pão, conversa e abraço; queria alimentar o corpo e o espírito. Enquanto isso, as milhares de pessoas que por ele passavam, indiferentes, estavam afoitas por adquirir um presente para familiares, amigos e para si mesmos. A propósito, sempre voltam-se a si mesmos, mesmo quando presenteiam, porquanto anseiam retribuição.
Aliás, para finalizar sem o fazer e de súbito, indagar é preciso: será carente um adjetivo adequado ao anônimo menino? Serão os presentes a resposta ao problema da existência de seus adquirentes?
PS: Sem verbalizar qualquer resposta, o menino sorri um sorriso jovial e continua de coração e braços abertos à espera de quem o espera.
Tio, eu quero um "pleiestaxion"...
ResponderExcluirBom o texto, parabéns...
e alguém ainda veio dizer que o natal é mais do que dar presentes...
mas poucos entenderam onde está o valor do presente...
escreverei sobre isso..haha...