Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno
enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o
relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço
com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que
você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você – eles não sabem, o terrível
é que não sabem – dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo,
algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com
sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a
necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que
continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrinas
das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de
perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua
marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de
comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é
você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.
(CÓRTAZAR, Julio. História de cronópios e de famas. Trad. Gloria Rodríguez. 16 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p.27)
(CÓRTAZAR, Julio. História de cronópios e de famas. Trad. Gloria Rodríguez. 16 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p.27)
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