terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sobre o Amor e a Justiça

Fonte: http://blocodecotas.wordpress.com/2012/09/19/amor-revolucionario/

(...) a justiça brota do amor. Isto não quer absolutamente dizer quer o rigor da justiça não se possa voltar contra o amor, entendido a partir da responsabilidade. A política abandonada a si mesma tem um determinismo próprio. O amor deve sempre vigiar a justiça.
(LÉVINAS, Emmanuel. Filosofia, justiça e amorIn: ____. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Trad. Pergentino Stefano Pivato et al. Petrópolis: Vozes, 2005.p. 148.)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

(Ob)literar

Literar: neologismo que significa o ato ou efeito de praticar e (re)criar a literatura.
Ob: prefixo verbal em latim que transmite a ideia de oposição ou "encontro".
Obliterar: destruir, eliminar, suprimir.

Em um sonho (literário)...

Derrida dizia que é preciso des(cons)truir.
Pessoa, na biblioteca, exclamava: "literar é viver!!!".
Inquieto comecei a procurar, sem saber bem o que, 
foi então que encontrei um Machado,
um verdadeiro achado,
que arma literária era e
junto com Amado me fez pensar diferente,
Oh, que autor indecente!
Denunciava o moralismo barato, não escrevia
o mesmo de sempre.
Destruí então a literatura já morta
que mais do que nunca vivia
incrustada no imaginário...
Saí pela porta.
A porta que abri,
na parede que desconstruí,
voei como barata,
inseto que nem a bomba atômica mata.
Sábio Kafka!!!
Talvez dialogasse (ele) com Nietzsche.
Isso não descobri.
O que soube, por cima, foi que todos desejavam o "novo",
aquele desejo turvo, que de tão confuso e amorfo jamais
terminava de (de)formar(-se).
Agora sim havia vida,
não se sabe de que espécie.
A literatura então nascia (pela primeira vez),
e desta vez, pra nunca mais morrer.
A vida então passou a ser uma faceta do literário
e a literatura um campo vivificado.
Ora eu literava, ora eu vivia, ora os dois,
não sei bem como foi,
sei, porém, que era mais,
com Deleuze e com Blanchot era um devir (ou porvir como livro)
Aliás, foi o mesmo Blanchot que me ajudou a romper com aquilo
que chamavam de literatura, e até de poesia:
"não se faz poesia genuína dentro de regras, é preciso fazê-la e olhá-la de 'fora'."
Foi então que Drummond passou por mim, deu uma piscadela e disse:
"Eu não falei? Literatura só o é quando é 'nova'. E o será sempre que for uma literatura do 'fora'."
Acordei com um pensamento
alojado em meu cérebro, mas de fora de mim...
Ou (ob)litero minha literatura e a (re)crio,
ou continuarei a ser assim...

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Ato de Resistência - por Deleuze

"O ato de resistência possui duas faces.
Ele é humano e é também um ato artístico. Somente o ato de resistência resiste à morte, seja sob a forma de uma obra de arte, seja sob a forma de uma luta dos homens." (Gilles Deleuze)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

"Aventuras do ser no nada (quem tem náuseas de Sartre?)" - de Paulo Leminski


— Vim te matar.
— A essa hora? Pra quê?
— Soube que você está escrevendo matéria sobre Sartre.
— É pecado?
— Em Curitiba, só eu posso escrever sobre Sartre.
— Com o perdão dessa arma apontada para mim, não sei o que vocês vêem nesse francês com cara de sapo, que acabou a vida mijando nas calças, num pileque contínuo.
— Vê lá como fala.
— Falo como Sartre falaria, diante de uma arma. Como você acha que ele falou, quando a Gestapo o prendeu, na Resistência?
— Esse não me interessa.
— Ah, você prefere o Sartre das palavras.
— Fora das palavras, não há salvação.
— Abaixe essa arma, pare de bobagem, sente aí e vamos conversar sobre.
— Está bem. Mas um gesto, e eu transformo seu para-si em em-si.
— Enquanto você elucubra aí, não se incomoda se eu terminasse de ler isso aqui?

— Sobre o que é?
— Adivinhe.
— Ah, sei.
— Que é que você acha disso: “Sartre é o último filósofo grega Depois dele, só são possíveis MacLuhans”.
— Não acho nada.
— “Teórico e ficcionista, antes de tudo, teve pela ação e pela militância um amor não correspondido: todas as suas agitações políticas, em termos de ação, sobre a sociedade francesa, foram menos que um fracasso. Foram apenas o nada”.
— Continue.
— “Contra o existencialismo, Sartre cometeu o crime supremo. Escreveu O ser e o nada, vasto tratado, suma teológica de uma doutrina filosófica que exalta a experiência individual, anti-teórica e contrária a toda e qualquer suma teológica. Cedo, Jean Paul percebeu que a forma perfeita para a exposição de suas teorias já existia. Não era o discurso conceitual de seus mestres, o teutônico delírio conceitual de O Ser e o Tempo, de seu mestre germânico Heidegger, o estilo de jogo de Kant e de Hegel. O existencialismo, por sua própria natureza, só poderia ser exposto através da ficção. Do conto. Da novela. Do romance. Com Sartre, a ficção transformou-se no gênero literário (textual) do existencialismo, veículo ideal de seus princípios”.
— Prossiga. Ainda lhe concedo uma página.
— “Difícil dizer, em Sartre, se é o filósofo que abastece o escritor ou o escritor que abastece o filósofo. De qualquer forma, o autor de A náusea deu à literatura o status e a dignidade da filosofia. E, naturalmente, à filosofia, a cor e o movimento da literatura. Criou conceitos que se tornaram, em nossa época, moeda comum. A expressão “engajamento”, foi ele que criou. “Autencidade”. “Angústia”. “Má consciência”. “Escolha”. E teve dois amores: Simone de Beauvoir e o marxismo...”

— Pare aí, senão...
— Deixe eu pular para: “A invasão da Hungria pela
União Soviética, para sufocar um movimento popular e nacional,
fez com que Sartre rompesse seu alinhamento com a URSS
stalinista. Como teórico, aliás, não deve ter sido fácil a tarefa do
profeta das “caves” post-guerra, cheias de pré-beatniks, camisas
de gola enrolada, barbas por fazer, jazz e álcool na cuca. Seus
filhos, depois seriam, nos Estados Unidos, “beatniks”. E seus
netos, os “hippies”. O existencialismo é a metafísica do
individualismo ocidental e capitalista”.
— Páre, senão eu atiro.
— Não atire. Eu me rendo. Digo aqui que “O problema teórico de Sartre foi, sendo existencialista, isto é, seguidor de Kierkegaard, assumir um pensamento hegeliano, como o marxismo. Existencialismo e Hegel não combinam. Para Hegel e o marxismo, saído dele, o concreto é o geral: a classe social, o sindicato, o Estado. O particular e o individual não passam de abstrações. Para Kierkegaard de o Existencialismo é exatamente o oposto. O geral é abstrato. O individual é concreto. Sartre nunca conseguiu resolver essa contradição. Ainda bem. Ao que tudo indica, não tem solução”.
— Fique aí onde está.
— “O interessante em Sartre é que esse conflito filosófico de grandes proporções acaba sendo pai e mãe de sua ficção e seu teatro, única saída que achou para conciliar Hegel e Kierkegaard”.
— Mais uma dessa não vou aturar.
— “No fundo, o existencialismo de Sartre é a tradução da impotência política da intelectualidade francesa, no quadro histórico da França do pós-guerra”.
— Não é o bastante.
Um tiro na noite é coisa que quem dorme nem nota.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

"J'Aime a nouveau" alcoólico

Bela noite de sexta-feira.
Sexta-feira treze.
Enfurnado no escritório, neste
locus onde permaneço uma semana... uma vida inteira.

Talvez (ou peaut-être)
o lugar onde
a poesia se esconde,
e faz de mim um mestre.

Um mestre das artes que nem eu sei
de uma poética que me toma
quando a rotina não me amola.
Um espaço onde, de olhos fechados, vejo bem.

É "o" (ou "um") recanto de solidão
cercado de gente e de mim mesmo
fujo a esmo,
do totalitarismo de um vício de balcão.

Um canto de bar,
faço o que quiser.
Um lugar é
aquilo que eu desejar.

Basta devanear ou, ainda,
o transformar.
Posso tudo o que tentar,
mas permaneço o mesmo enquanto a vida finda.

O alcoól me embriagou,
ouvi J'aime à Nouveau,
cedi à tentação, de transgredir
as regras da composição e de partir
de um (velho) ponto chegando ao qual sempre vou.

Lembrei-me de Roseli, lembrei-me de Sofia.
Fiz daqui,
Fiz de um dia.
Uma maluquice assim:

Cheia de "não-sei(s)"
e repleta de saudades.
Imbuído da vontade,
de ser um só, sermos três.

Repentinamente:

Adeus...
(um modo forçado de dizer: "ao acaso";
o linguisticamente raso,
jeito de dizer "a Deus").

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Amor Louco (à Sofia)


Excerto extraído da obra "O Amor Louco", de André Breton.
Trecho este dedicado à filha do autor.

Aqui o reproduzo como forma de homenagem pelo advento do primeiro aniversário de minha filha Sofia, a qual, inocentemente, ensina-me, sem hesitar, sobre as coisas mais profundas e difíceis (e por que não, mais belas também?) que a vida pode me oferecer.





«Afastar-me para longe de vós! Revestia-se para mim da maior importância ouvir-vos, por exemplo, responder, um dia, com toda a inocência, a essas perguntas insidiosas que as pessoas crescidas fazem às crianças: "Com que é que se pensa, com que é que se sofre? Como é que se soube o nome do sol? De onde é que a noite vem?" Como se elas próprias o soubessem! Já que, para mi, sois a criatura humana em toda a autenticidade, deveríeis, contra tudo o que é previsível, ser vós mesmos a ensinar-mo...
Gostaria de saber-vos loucamente amada.»
(André Breton)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Congratulação poética

Decidi poetizar,
Afinal "a vida é poesia"
E por mais que seja às vezes fria
É preciso devanear.

Talvez por uma questão de fuga,
ou mesmo por uma homenagem
A poesia cai com uma folhagem
seca sobre uma senda suja.

Suja porque pisada.
Um viver errante de (auto)massacre
Há, por isso, quem fale
que se trata de palavra mal acabada.

É-o não nego
Simplória e funcional, surge de uma necessidade:
a de correr para longe deste mundo de verdade.
Não o fazendo fico irrequieto - sem fazer poesia não sossego.

Mas uma homenagem foi pensada inicialmente
Nesse objetivo é importante dedicar-me:
render cumprimentos tardios e colocar-me
a falar de uma data dedicada ao corpo e à mente.

Ontem foi o Dia Nacional da Poesia
os poetas fizeram festa,
eu não fui nesta
Mas cheguei hoje, juntando os retalhos e tirando o pó da mobília.

Os aspirantes e não poetas chegam depois
quando tudo já está acabado,
Só conseguem pensar aquilo que é passado
Poetizar o que se foi.

Quem sabe me antecipe um dia
ao futuro.
E, saindo de meu (quase-poético) quarto escuro
possa também fazer poesia.

Ser um artista dos versos, um poeta
galgando a bela exteriorização de palavras,
essas verdadeiras armas
que tocam o coração e mantêm a mente aberta.

Devo ainda estar distante,
Penso não fazê-la bem,
Muito menos tocar corações.

Mas estou a buscá-la, cara aniversariante.
Tão profunda e bela assim não tem,
resta-me dizer-lhe: "Poesia, aqui presto minhas congratulações."

quarta-feira, 14 de março de 2012

Círculo Vicioso

Poema de Machado de Assis reproduzido em homenagem ao Dia Nacional da Poesia.


Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

- Mísera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:

- Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?

(ASSIS, Machado. Círculo Vicioso. In:             . Melhores Poemas. Seleção Alexei Bueno. São Paulo: Global, 2000.)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Relato de um viajante rumo ao desconhecido: o percurso de um (andarilho) ledor de Sérgio Aquino


            Começo o meu percurso, perdido. Andei por um caminho que não era só meu. Aliás, por um caminho construído por outrem, mas trilhado por mim. Confesso que sem querer já tinha contribuído para a feitura da referida senda, mas nem eu, nem o feitor inicial o sabíamos: há sendas que se bifurcam[1].
            Parece-me um caminho prolixo (e ambíguo) o que escolhi para me enunciar. A quem não sabe sobre o que falo restam incompreensíveis as palavras. Não é só uma questão de sintaxe, é também de semântica, pois não parto de elementos tidos como lugar comum. Talvez o sejam, mas não avisei isso. Entretanto, pretendo fazê-lo conforme meu caminhar. Alguém aí quer me acompanhar?
            Pois bem, aos corajosos desejo as boas vindas. Estes saberão do que (e de quem) falo: da obra e seu autor. A obra: “Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o Direito na Pós-modernidade”. O autor: “Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino[2]”, meu nobre amigo e parceiro intelectual – ainda que a distância.
            Não pude deixar de fazer por escrito meus agradecimentos ao presente que me enviaste, caro amigo: seu pensamento traduzido em páginas de uma obra deveras instigante.
            Tendo me dirigido à sua pessoa (função conativa), passo a falar em geral, de um modo amplo não direcionado a ninguém, mas a um fato, ou melhor, a um conjunto de fatos, fenômenos, sensações e reflexões (função referencial) suscitadas a partir da leitura de seu agradável livro…
            Iniciar com Maffesoli uma obra denota, indubitavelmente, uma audácia típica do espírito Pós-moderno: trata-se de um respeito notável pelo potencial afetivo, que proclama a Razão Sensível como uma força vital, a qual, na Modernidade, foi arrefecida por conclusões demasiado racionalistas e que, sublimando o desejo, engenharam a maquinaria do poder em desrespeito à pessoa em sua humanidade.
            A experiência do sensível, vivida no cotidiano, prova que não podemos nos apegar aos ditames logicistas abandonando nossas pulsões. Tratar-se-ia de um assassinato do desejo[3], fato com o qual não se pode corroborar. Já é tempo de nos abrirmos ao novo ao que é de fora de nós e do sistema (pseudo)perfeito criado pela Razão Moderna. Para isso, digo uma vez mais: é preciso ter coragem e “(…) tomar parte na destruição de ideais ou de teorias obsoletas, ainda que isso deva perturbar algumas sonolências dogmáticas.”[4]
            Foi isso que Sérgio fez: combateu, ao modo Pós-moderno, a obsolescência moderna e “(…) o ciclo virtuoso das análises óbvias. Dessas análises sem vida, feitas mais de virtuosismo que de amor.”[5]
            Perpassando pela tese que vê o Direito como um fenômeno sociocultural (Miguel Reale) e, lançando sobre o discurso jurídico a análise semiológica, a obra de Sérgio desvenda os mito jurídico moderno[6] da inverídica e indesejável assepsia de que é provida o Direito, segundo assinala o Positivismo Lógico.
Não obstante, tendo o Direito como produto da cultura (Reale), construído cotidianamente (Maffesoli), e orientado pela Política Jurídica de Osvaldo Ferreira de Melo, que propõe uma nova forma de se pensar o Direto, sobretudo a partir de critérios como a Justiça, a Legitimidade e a Utilidade, que culminariam na “(…) realização de novas utopias carregadas de esperança”[7], Aquino explana sua obra, trilha seu caminho e convida o leitor a percorrê-lo também, como que num passeio ao léu[8] waratiano. Não se pode adjetivar Aquino de “totalitário” que, seduzindo-se pelas próprias idiossincrasias, universaliza (forçosa e falaciosamente) seu pensamento considerando todo o resto como um erro. Pode-se, sim, falar de um chamado, não só para se chegar ao (desconhecido) destino, mas também para caminhar, ou mesmo navegar – afinal, “é preciso”, diz o poeta[9] – , pois o próprio trajeto é suficiente para tornar o convite irrecusável.
Aqui uma pausa metalinguística é inevitável. Ao escrever, perdi-me, como fiz ao ler, ou melhor, ao deambular pelas linhas da inquietante obra de Sérgio. Comecei narrando um percurso, ou seja, fiz transparecer a ideia de movimento (narrativa em devir). Em seguida, descrevi lugares deste percurso, o que, por sua vez, tem muito mais a ver com algo estanque, definitivo. Dito de outro modo: elenquei (sinteticamente) lugares, partes, fragmentos do caminho, como se fosse possível fazê-lo sem incidir no erro da Modernidade: fragmentar o saber[10] e (frustradamente) tentar elevá-lo ao patamar do universalismo.
Mas ainda é tempo de me encontrar. Saber onde me encontro ou pelo menos de onde devo reiniciar a partida. Dizia eu que caminhava perdido por um caminho que não era só meu. Assim me exprimi para mostrar a relação entre escritor e leitor. Aquele, ao fazer sua obra, traça um caminho que leitor, assim como ele próprio (o autor), caminha para se chegar um lugar. Vão em rumo a algum local – na obra de Aquino, o rumo é ao desconhecido.
O desconhecido o é não porque não se tem sequer noção dos elementos que o compõem, mas porque estes mesmos elementos têm sua potencialidade tão suprimida que, verdadeiramente, não podem ser classificados como conhecidos. “O amor, o respeito, a dignidade, a tolerância, ou seja, os sentimentos que perpassam o exercício da cidadania”[11] são conhecidos discursivamente. Na experiência vivida, ainda que estejamos e valorizemos o período pós-moderno, os sentimentos sobreditos ainda padecem da liberdade que lhes é necessária, basta pensar na força que a indiferença (disfarçada de igualdade) possui.
Desconhecido, para mim, não era todo o trajeto. Até mesmo o trilhei parcialmente antes da obra, eis que conhecia Maffesoli, Warat além de outros e com eles caminhei ao léu. Por isso asseverei que de alguma maneira havia depositado minha contribuição para a feitura do caminho, mesmo sem o saber e sem que Sérgio soubesse. Entretanto, desconhecia muitos trechos da trilha, o que me agregou sobremaneira um conhecimento topográfico-humanista notável. Pude caminhar com Osvaldo Ferreira de Melo, com quem jamais o havia feito. Ademais, caminhei de formas diferentes com autores que já conhecia.
Porém, como a todos que adentram numa vereda, não era só o atrativo do percurso que me interessava, objetivava eu um destino e este foi um lugar eticamente belo (a ética como fundamento estético da convivência), no qual, ao serem preservados os “(…) eixos (mínimos) [o amor, o respeito, a dignidade, a tolerância], constroem-se normas cujos valores não se perdem com o tempo, ao contrário, afirmam a percepção de uma Cultura cujo conteúdo respeita e concretiza o belo sentido da condição humana, por um lado, e a sua infinita possibilidade de aperfeiçoamento por outro.”[12]
Foi por isso que em minha exposição inaugural aduzi acerca de uma construção conjunta sem que um e outro soubéssemos disso, pois me servindo de outros baldrames filosófico-sociológico-jurídicos convergimos para um mesmo espaço de destino: rumamos ao desconhecido cada qual de seu jeito, cada qual pelo caminho que escolheu. Caminhos paralelos que se atravessam – há pontos de intersecção na trilha – mas que desembocam num mesmo lugar: um território desconhecido[13].
Em suma, ao ter em mãos a obra de Sérgio Aquino, além das inquietações inúmeras, das reflexões inevitáveis e da surpresa a cada parágrafo, tive também a lembrança de Warat, quando dizia que há jardins em que as sendas se bifurcam. Posso dizer que saímos do jardim da racionalidade moderna, bifurcamos a vereda e rumamos ao (desconhecido) jardim pós-moderno. Lá não encontramos um espaço totalitário, nem jurídica, nem socialmente, pois lá é o espaço em que, como diz Aquino, consolida-se a condição humana e onde o potencial de aperfeiçoamento é infinito, posto que está sempre sujeito à mudança, afinal é regido pelos eixos – em devir – da tolerância, da dignidade, dos afetos e da ética como fundamento estético da existência humana.
Caro Sérgio. Grato por me presentear com sua (esteticamente agradável) obra. Desculpe-me (eticamente) pela demora em sinalizar minhas (mais entusiasmadas) impressões acerca dela. Bem sabemos que na pós-modernidade o tempo é líquido, fluido. Tão fluido que nos escapa às mãos e não nos permite (ou ao menos dificulta) reflexões profundas e, mais ainda, a exteriorização delas, sobretudo em se tratando de obra tão rica como a sua.
Meus sinceros agradecimentos.
Grande abraço…



Everton Luís da Silva
Gêmeas do Iguaçu
(União da Vitória/PR e Porto União/SC)
04/03/2012


[1] WARAT, Luis Alberto. El jardin de los senderos que se bifurcam. In: _____. Epistemologia e ensino do Direito: o sonho acabou. v. II. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p.469-484
[2] O autor é Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Administração Global pela Universidade Independente de Lisboa - UNI. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. É editor do Blog “A Utopia do Direito”, com endereço: http://sergioaquino.blogspot.com/
[3] ROCHA, Fábio Libório. Schopenhauer e o assassinato do desejo – a servilidade do sujeito balizada sob dois aspectos: a liberdade e a racionalidade. União da Vitória: Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras. nº 75. Kaygangue, 2003. 118 p. (Coleção Vale do Iguaçu).
[4] MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Trad. Albert Christophe Migueis Stuckenbruck. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 13.
[5] MAFFESOLI, Michel. O ritmo da vida: variações sobre o imaginário pós-moderno. p. 11 apud AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o Direito na Pós-modernidade. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2011. p. 33.
[6] GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Trad. Arno Dal Ri Jr. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. 150 p.
[7] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 19 apud AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Op. Cit. p.138.
[8] WARAT, Luis Alberto. O amor tomado pelo amor, p. 308.
[9] PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987. p. 1.
[10] Descartes diz que para melhor considerar as matérias em particular “(…) teria de supô-las como linhas, porque não encontrava nada mais simples que pudesse representar mais distintamente à minha imaginação e aos meus sentidos; mas, para reter e compreender várias ao mesmo tempo, eu precisava explicá-las por alguns sinais, os mais curtos possíveis, e que, deste modo, aproveitaria o melhor da análise geométrica e da álgebra e corrigira todos os defeitos de uma pela outra.” (DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 25.)
Um esclarecimento é importante: Descartes não fitava elevar suas considerações a patamares universais. Segundo Boaventura, trata-se mais de uma “(…) maravilhosa autobiografia espiritual” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 61). A ideia de universalidade remonta a outros pensadores modernos.
[11] AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido, p. 148.
[12] AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido, p. 148.
[13] Referência à (irrepreensível) coletânea de obras: WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. v. I. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. 583 p.