Disponibilizo a vocês um trecho da monografia que redigi recentemente, intitulada: "Por um Direito da transgressão: fragmentos amorosos para um discurso jurídico revolucionário". Ressalto que não constam as notas de rodapé com esclarecimentos e referências, posto que a finalidade é apenas divulgar o conteúdo.
TRANSGRESSÕES FINAIS: MANIFESTOS PARA UMA ECOLOGIA DOS AFETOS – OU FRAGMENTOS (AUDACIOSOS) PARA UMA (AMOROSA) REVOLUÇÃO LIBERTÁRIA: COMEÇO QUE VIRA FIM QUE VIRA COMEÇO
“Desacreditada pela
opinião moderna, a
sentimentalidade do
amor deve ser assumida
pelo sujeito apaixonado
como uma forte
transgressão, que o
deixa sozinho e exposto;
por uma inversão de
valores, é pois essa
sentimentalidade que faz
hoje o obsceno do
amor.”
(Roland Barthes)
opinião moderna, a
sentimentalidade do
amor deve ser assumida
pelo sujeito apaixonado
como uma forte
transgressão, que o
deixa sozinho e exposto;
por uma inversão de
valores, é pois essa
sentimentalidade que faz
hoje o obsceno do
amor.”
(Roland Barthes)
Como Deleuze e Guatarri, “é preciso começar pelo fim”. É preciso iniciar em devir. Também o é possível em Warat, que começa seu “O amor tomado pelo amor: crônica de uma paixão desmedida” pelo fim, que constitui, portanto, seu começo e que, em seguida, vira fim. O texto como devir. Ele nunca é, quando termina, inicia-se… Trata-se de um instante mágico da escrita, aliás, de instantes mágicos, no plural, porque plural é ele – o texto. Nunca é o mesmo. O Amor é assim, é efervescente, é candente, é incerto, é imprevisível… É tudo isso e muito mais: é tudo isso e o seu oposto. Isso porque também é terno, sublime, delicado, ingênuo, caritativo, um castrador para os sádicos. O Amor se permite trafegar pelos túneis poéticos do paradoxo. Não à toa que Camões disse uma vez que:
Amor é um fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Pode-se dizer que o soneto de Camões, para o Direito, mas, sobretudo para a vida, é um devir, um devir-poético. O devir, como dito em outro momento, é sempre minoritário.Como a perspectiva poética é costumeiramente deixada de lado, à margem – por isso: uma poesia marginal, porque transcende a esfera da
racionalidade prosaica, é de se enunciar que ela devém juridicamente. O Direito agora está em um devir-poesia, devir-música, devir-afetivo, devir-amoroso. Levanta-se, então, um fragmento de insurreição waratiana: o Direito e a vida reivindicam “um canto do ambíguo, do devir permanente.” Warat defende uma ecologia afetiva, consistente, entre outras coisas, numa prática psicopedagógica que “permita verbalizar o fantasma do amor como condição da autonomia, como condição do vir-a-ser de uma sociedade povoada de indivíduos que se tornem, como diz Guatarri, ‘a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes’.”252 É dizer, que “a eficácia libertária de uma proposta ecológica depende de uma visão psicanalítica que possa cativar-nos para um devir de incertezas: o convite para a descoberta do
novo (…).”
racionalidade prosaica, é de se enunciar que ela devém juridicamente. O Direito agora está em um devir-poesia, devir-música, devir-afetivo, devir-amoroso. Levanta-se, então, um fragmento de insurreição waratiana: o Direito e a vida reivindicam “um canto do ambíguo, do devir permanente.” Warat defende uma ecologia afetiva, consistente, entre outras coisas, numa prática psicopedagógica que “permita verbalizar o fantasma do amor como condição da autonomia, como condição do vir-a-ser de uma sociedade povoada de indivíduos que se tornem, como diz Guatarri, ‘a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes’.”252 É dizer, que “a eficácia libertária de uma proposta ecológica depende de uma visão psicanalítica que possa cativar-nos para um devir de incertezas: o convite para a descoberta do
novo (…).”
Não obstante, tem-se uma erotização do texto, mais que isso, uma erotização do Direito e, por inequívoco, da vida. Em vão não é que se está a falar de ecologia dos afetos e de uma certa correspondência com o perfil transgressivo – apesar de, em princípio, o título destas transgressões finais ter sido criado sem um precedente
exato, uma inspiração específica da qual decorresse o seu nascimento. Luis Alberto Warat, certa vez assinalou amorosa e transgressivamente:
exato, uma inspiração específica da qual decorresse o seu nascimento. Luis Alberto Warat, certa vez assinalou amorosa e transgressivamente:
A ordem instituída e a regularidade são um princípio de morte instalado na vida. Para vencê-lo, devemos produzir um excesso, transtornando ao máximo a continuidade, isto é, erotizando o movimento regrado. Provocando o imprevisto. O erotismo é um excesso de imprevisibilidade. É a descontinuidade significando-se. (…). Enfim, o erotismo é um desejo de transgredir. Nesse ponto é que se dá em mim a fusão do erotismo e da marginalidade. É o território das significações, das perguntas e das respostas sem paradigmas, abertas ao infinito.
A propósito, discorrer sobre o Amor no Direito é um ato de transgressão. Transgride na medida em que contradiz os arrimos paradigmáticos (decadentes) da Ciência Jurídica (Moderna). Introduz os afetos no estudo, na construção teórica e, principalmente, na “pragmatização” jurídica de modo que não deixa, jamais, de lançar seu olhar ao Outro. Para agir subversivamente é preciso ter audácia. A audácia que desafia o ríspido, o frio, o cruel do Direito: a lei como premissa científica. Trata-se de compartilhar da mesma coragem de Warat e tomar para si “o dever de inscrever o amor e a emancipação no meio do poder.”
Falou-se aqui – e fala-se por aí – em libertação, em emancipação, em alteridade e compaixão – em uma palavra: revolução. No Direito não se pode mais assumir a postura de um filósofo sentado – contra quem foram lançados diatribes de Amor – ou de um jurista apático, agarrado à lei como que a um deus; transformando o que deveria ser tomado como parâmetro em mito. Recorrer à transgressão surreal, juntar o Direito à música: eis uma provocação surrealista. Opor a transgressão a todos os saberes, às normativizações, à pedagogia jurídica, à “pureza” no Direito, ao niilismo, ao pessimismo, ao conformismo. Enfim, transgredir a conservação do que foi imposto (demagogicamente) sob o argumento democrático, “(…) tomar parte na destruição de ideais ou de teorias obsoletas, ainda que isso deva perturbar algumas sonolências dogmáticas.”
Retomando a perspectiva surrealista é possível crer num Direito subversivo em relação à ordem quando esta é a da exclusão; do não-Amor; da renúncia e da castração amorosa. Subverter a si mesmo. Deve-se, então, transgredir para não sufocar os ideais do Amor. Mas em que sentido se está a falar em transgressão? Neste: Transgredir é transcender o limite do horizonte. É sobrepujar o encarceramento por ele produzido sem que se necessite comportar belicosamente. Trata-se de um ato de libertação. Libertar-se das grades e dos grilhões impostos pelo poder e aceitos docilmente – como?
Com efeito, falar de revolução é exigir a liberdade, é fazer valer o ideal democrático, é reconhecer que há algo de intrínseco, de profundo, de imprevisível, de humano na liberdade. “De que hablamos cuando hablamos de libertad? (…) “La respuesta: hablamos de amor.” Por isso é que revolucionar verdadeiramente
deve ter um fundamento amoroso, negando a cegueira produzida pela certeza e contemplando no “Amor, a única revolução verdadeira”
Escreveu-se aqui um texto sem um começo bem definido e se terminará de igual forma. Isso porque não se tem o fito de apresentar definições; ao contrário, a ideia é desconstruí-las, transgredindo-as amorosamente. Pautando-se pela ética da alteridade, pela compaixão, pela solidariedade ou por outro meio afetivo – pouco
importa. O essencial é o livramento (pluralista) de um monismo científico-normativo que castra os desejos humanos, seja qual for o caminho percorrido. No Amor não há “começo e fim”. Há um “sempre-começo”. Cosmopolítica e geograficamente pode-se dizer que (amorosamente) é possível sempre começar de qualquer ponto do mundo sem que nunca se encerre a trajetória romântica. O Amor no mundo como rizoma e a formação de uma ecologia dos afetos: assim é que a vida democrática será um vir-a-ser infinito, haverá um devir-amoroso; incerto, é verdade, porque é devir, mas ainda (e sempre) um devir.
Falou-se aqui – e fala-se por aí – em libertação, em emancipação, em alteridade e compaixão – em uma palavra: revolução. No Direito não se pode mais assumir a postura de um filósofo sentado – contra quem foram lançados diatribes de Amor – ou de um jurista apático, agarrado à lei como que a um deus; transformando o que deveria ser tomado como parâmetro em mito. Recorrer à transgressão surreal, juntar o Direito à música: eis uma provocação surrealista. Opor a transgressão a todos os saberes, às normativizações, à pedagogia jurídica, à “pureza” no Direito, ao niilismo, ao pessimismo, ao conformismo. Enfim, transgredir a conservação do que foi imposto (demagogicamente) sob o argumento democrático, “(…) tomar parte na destruição de ideais ou de teorias obsoletas, ainda que isso deva perturbar algumas sonolências dogmáticas.”
Retomando a perspectiva surrealista é possível crer num Direito subversivo em relação à ordem quando esta é a da exclusão; do não-Amor; da renúncia e da castração amorosa. Subverter a si mesmo. Deve-se, então, transgredir para não sufocar os ideais do Amor. Mas em que sentido se está a falar em transgressão? Neste: Transgredir é transcender o limite do horizonte. É sobrepujar o encarceramento por ele produzido sem que se necessite comportar belicosamente. Trata-se de um ato de libertação. Libertar-se das grades e dos grilhões impostos pelo poder e aceitos docilmente – como?
Com efeito, falar de revolução é exigir a liberdade, é fazer valer o ideal democrático, é reconhecer que há algo de intrínseco, de profundo, de imprevisível, de humano na liberdade. “De que hablamos cuando hablamos de libertad? (…) “La respuesta: hablamos de amor.” Por isso é que revolucionar verdadeiramente
deve ter um fundamento amoroso, negando a cegueira produzida pela certeza e contemplando no “Amor, a única revolução verdadeira”
Escreveu-se aqui um texto sem um começo bem definido e se terminará de igual forma. Isso porque não se tem o fito de apresentar definições; ao contrário, a ideia é desconstruí-las, transgredindo-as amorosamente. Pautando-se pela ética da alteridade, pela compaixão, pela solidariedade ou por outro meio afetivo – pouco
importa. O essencial é o livramento (pluralista) de um monismo científico-normativo que castra os desejos humanos, seja qual for o caminho percorrido. No Amor não há “começo e fim”. Há um “sempre-começo”. Cosmopolítica e geograficamente pode-se dizer que (amorosamente) é possível sempre começar de qualquer ponto do mundo sem que nunca se encerre a trajetória romântica. O Amor no mundo como rizoma e a formação de uma ecologia dos afetos: assim é que a vida democrática será um vir-a-ser infinito, haverá um devir-amoroso; incerto, é verdade, porque é devir, mas ainda (e sempre) um devir.
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